A psicanálise sempre levou a sério o que não é dito de forma direta. Sonhos, lapsos, imagens, repetições, etc. Tudo isso fala, e fala muito. O simbólico é o território onde o inconsciente se expressa, não com lógica, mas com sentido, sentido profundo, muitas vezes velado, que pede escuta, tempo e cuidado.
Nesse caminho, o tarot pode ser uma ponte, não como previsão, mas como espelho. Cada carta carrega arquétipos e movimentos psíquicos que tocam a nossa história, mesmo que a gente não saiba explicar bem o porquê. É como se falassem diretamente com partes nossas que ainda não chegaram à palavra, mas já sentem.
Usar o tarot como ferramenta simbólica dentro de uma escuta psicanalítica é abrir espaço para que essas imagens nos ajudem a olhar para dentro, não para prever o futuro, mas para compreender o presente. E talvez, com isso, transformar o nosso jeito de estar no mundo, e note, não estou dizendo para não usar a escuta psicanalítica, estou afirmando que como ferramenta simbólica, e não divinatória, ele pode oferecer alguma ajuda como ferramenta complementar, ao abordar o simbolismo, e não para substituir a técnica psicanalítica.
No tarot, o Louco é aquele que parte, ele não sabe bem pra onde vai, mas sente que precisa ir. É esse impulso que nos move quando algo dentro de nós começa a pedir mudança. Quando a vida, do jeito que está, já não dá conta. O Louco é o primeiro passo, e também o último. Ele inicia a jornada, e, no fim, volta a si. Mas não é mais o mesmo.
Cada carta dos Arcanos Maiores conta um pedaço desse caminho. E talvez você se reconheça em algum deles, ou em vários, ao mesmo tempo. É assim também no processo analítico: Seguimos por etapas, encontramos forças, enfrentamos dores, descobrimos verdades, nos perdemos, varias coisas acontecem e por fim seguimos.
O Louco encontra o Mago, é quando percebemos que temos ferramentas, habilidades, possibilidades, começamos a agir no mundo, a criar, a fazer. Mas também pode vir junto uma certa ilusão, achar que temos o controle de tudo. A vida logo se encarrega de mostrar que não.
Com a Sacerdotisa, aprendemos que nem tudo se mostra, existe um saber que é silêncio, intuição, escuta. Entramos em contato com aquilo que sentimos mas ainda não conseguimos nomear.
Quando chegamos na Imperatriz é a força criativa da vida, representa o cuidado, o afeto, a nutrição. É a figura da mãe, real ou simbólica, que alimenta e protege. Mas também é onde começamos a entender que o amor nem sempre vem do jeito que gostaríamos.
Damos outro passo, o Imperador traz estrutura, regras, limites, ordem. Às vezes é reconfortante, às vezes opressor, é quando começamos a lidar com o que nos é exigido, o que podemos ser, o que esperam de nós.
No Hierofante, surge a tradição, é o saber que vem dos outros: Costumes, valores, conselhos. Pode ser apoio, pode ser prisão. O desafio é ouvir sem se perder. Aprender sem abandonar a própria voz.
Chegando aos Enamorados, aparece o dilema, as escolhas, os afetos, os encontros. O outro nos afeta, nos revela, nos confunde. Amar é sempre correr o risco de se perder, e também o de se encontrar.
Já o Carro nos empurra pra frente. É a fase da conquista, da pressa, da ação. Mas será que sabemos pra onde estamos indo? Às vezes aceleramos só pra não sentir o que está doendo.
A Justiça nos para, nos convida a olhar com clareza, a pesar, a assumir. É quando começamos a entender que somos responsáveis por nossas escolhas, e por tudo que elas deixam para trás.
No Eremita, nos afastamos do barulho, é a solidão fértil, a pausa necessária, um tempo de recolhimento que pode ser difícil, mas também revelador.
A Roda da Fortuna nos lembra que tudo muda. Nada é fixo, o que está em cima pode descer, o que está embaixo pode subir, a vida gira, o Eu também.
Quando chegamos a Força, ela não é bruta, é a delicadeza firme de quem sabe sustentar o que sente sem ser engolido por isso. É coragem, mas também contenção. Uma maturidade emocional que se conquista com o tempo.
O Enforcado pede rendição, uma parada que às vezes parece involuntária, um luto, um vazio, um impasse, mas que pode abrir espaço pra algo novo nascer.
A Morte transforma, não é fim, é passagem, um deixar ir, um cortar na carne, um tempo de despedida do que já não serve mais.
A Temperança acalma, mistura, integra e suaviza. É quando começamos a confiar no tempo das coisas. Quando deixamos de forçar e aprendemos a fluir.
A carta do Diabo fala de revelação do que estava escondido. Desejos, prisões internas, repetições, tudo aquilo que preferimos não ver, mas que nos controla de algum jeito. Ver já é um começo de libertação.
A Torre desaba, o que parecia seguro desmorona, é um susto, um trauma, uma ruptura, mas também é verdade. E depois que a verdade aparece, ela pode ser reconstruída com mais honestidade.
Com a Estrela, voltamos a acreditar, há uma luz, ainda que tímida, um sentido, um cuidado, uma esperança que renasce.
Na Lua, tudo fica confuso de novo, emoções à flor da pele, medos antigos, sonhos estranhos, mas faz parte. A travessia exige mergulhos profundos.
O Sol traz clareza, aquela alegria simples de ser quem se é, a espontaneidade, o afeto, o calor de estar vivo.
No Julgamento, revisitamos o caminho, olhamos para trás, reconhecemos padrões, damos novo significado às nossas escolhas. Não é culpa, é consciência.
E no Mundo, sentimos que algo se completou, há uma integração, uma sensação de que, apesar de tudo, estamos mais inteiros.
Mas então, o Louco retorna, porque o processo nunca termina de verdade. A cada ciclo encerrado, nasce outro, a cada encontro com o outro, um novo encontro com nós mesmos. E assim seguimos, tropeçando, aprendendo, recomeçando, sempre em movimento, iniciando e concluindo ciclos e a cada conclusão um novo início.
Paz e Luz.
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