Há algum tempo escrevi um texto chamado “Encarando a morte de frente”, onde compartilhei minhas percepções sobre o medo da morte e as repercussões desse tema na vida. Desde então, percebi mudanças que, na época, eu ainda não tinha clareza suficiente para expressar. Agora, com mais maturidade sobre o assunto, resolvi escrever este segundo texto. É uma forma de dar voz a sentimentos que se transformaram ao longo do tempo e, quem sabe, trazer algum conforto para quem também passa por momentos difíceis.
Antes de tudo, quero deixar claro! Não, eu não passei a ter medo da morte (rs). A visão que compartilhei anteriormente continua a mesma. O que mudou foi a intensidade com que certas situações me tocam. Coisas que antes eu sentia, mas conseguia manter sob controle emocional, hoje provocam reações mais profundas ou, ao menos, mais perceptíveis. É como se camadas que antes estavam bem guardadas agora estivessem mais expostas.
Essas situações estão quase sempre relacionadas a perdas e superações. Não importa se acontecem na vida real ou em um filme. O que me afeta não é “quem” está vivendo aquilo, mas a experiência em si. Ver alguém, real ou fictício, naquela posição desperta uma conexão imediata, uma empatia que me faz, mesmo sem querer, ocupar aquele lugar.
Por exemplo: Imagine uma cena de filme em que um personagem morre. O que realmente mexe comigo não é o personagem em si morrer, mas o impacto dessa perda sobre os outros personagens, a dor do luto, os olhares de despedida, os rituais como um enterro ou o momento em que a notícia é dada. Isso ressoa profundamente em mim, talvez porque me remeta ao que as pessoas ao meu redor sentiram quando eu mesmo enfrentei uma doença séria (como contei no primeiro texto). Só que, hoje, esse sentimento é mais amplo, não se trata apenas dos meus entes queridos ou amigos passando por isso, mas de qualquer pessoa atravessando essa experiência.
E isso não se limita à morte. Separações, por exemplo, também têm um peso emocional parecido. Quando um casal se desfaz, existe um tipo de luto ali, uma perda de algo que existiu e agora não existe mais. E novamente, o que me toca não é quem está vivendo isso seja por uma amizade ao qualquer empatia envolvido relacionada as pessoas, mas a dor do processo em si, independente de quem seja, o esforço de lidar com a ausência, com o recomeço, com o vazio que fica.
Curiosamente, essa sensibilidade também se manifesta diante de histórias de superação. Ver alguém atravessar uma grande dificuldade e sair do outro lado com a situação resolvida desperta em mim uma alegria genuína, uma espécie de alívio compartilhado.
Isso me lembra de uma sessão de supervisão analítica, muitos anos antes de tudo o que aconteceu comigo. Lembro de ter dito, quando me foi perguntado como era para mim atuar como psicanalista e, depois de pensar um pouco, respondi:
“Tenho uma enorme satisfação em ver um cliente reconhecer sua dificuldade e superá-la. Estar ali, acompanhando esse processo, ajudando-o a enfrentar seus medos e encontrar uma solução, sempre foi profundamente gratificante.”
Esse sentimento já existia, sempre esteve presente em mim, mas antes era algo mais direcionado ao consultório, restrito ao contexto dos atendimentos. Hoje, ele é mais amplo. Talvez por tudo o que vivi, me tornei mais permeável à dor e também à beleza de ver alguém se levantar.
A vida é assim, cada experiência deixa marcas, nos ensina algo e, de alguma forma, nos transforma. Algumas mudanças são sutis, outras mais profundas. Mas todas têm valor. O importante é reconhecê-las, acolhê-las e permitir que nos façam crescer.