A psicanálise dos contos de fadas: O que eles nos ensinam sobre a vida adulta.Aproximadamente 4 min. de leitura

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Os contos de fadas parecem histórias simples, podem falar de uma menina, um castelo ou uma transformação. Mas, se a gente olhar com calma, vê que ali moram padrões humanos antigos como figuras, conflitos e soluções simbólicas que ecoam na vida adulta. Esses contos não existem só para entreter, eles funcionam como mapas emocionais que ajudam a organizar medos, desejos e possibilidades de mudança.

Em primeiro lugar temos que entender os arquétipos. Jung1 e seus seguidores mostraram que certas imagens como a sombra, a anima e animus, o herói, a mãe, entre outros reaparecem em diferentes culturas porque fazem parte de uma estrutura psíquica coletiva. Nos contos, essas figuras aparecem em roupas diferentes, mas com papel semelhante como orientar processos internos de crescimento. Você pode ler bem mais sobre o que são e quais arquétipos temos em https://www.cichini.com.br/category/arquetipos/.

Depois temos a função psicológica das cenas extremas. A violência, a prova ou a perda presentes em muitos contos têm uma função, permitem que o leitor, especialmente a criança, mas também o adulto, represente conflitos internos de modo simbólico e seguro.

Vamos falar resumidamente de alguns contos para exemplificar.

Chapeuzinho Vermelho costuma aparecer em aulas de psicanálise porque concentra um pânico muito humano, a aproximação do perigo sexualizado e a dificuldade de distinguir voz de autoridade representada pela avó, e da sedução do outro, aparecendo aqui como o lobo. Em interpretações psicanalíticas, a floresta é o inconsciente, um lugar onde regras infantis não valem e onde o sujeito encontra provas de sua autonomia. A lição adulta? Aprender a transitar entre regras internas e riscos do mundo real, sem perder a própria bússola. Estudos acadêmicos que analisam Chapeuzinho mostram essa operação simbólica na constituição subjetiva.

Cinderela, por sua vez, é muitas vezes lida como um processo de individuação2, onde a personagem passa por humilhação, isolamento e, finalmente, reconhecimento, um espelho da jornada de consolidar identidade própria e habilidade de agir socialmente. Pesquisas junguianas e estudos contemporâneos tratam a narrativa como um relato simbólico de amadurecimento interior, no qual recursos internos “escondidos”, como virtudes, talentos e resiliência, emergem em momento oportuno.

Como usar isso no cotidiano?

Três ideias práticas:

1 – Ver um momento difícil, como “a floresta”, uma fase necessária que não apaga sua história, mas a transforma;

2 – Identificar quem é sua “madrasta” simbólica, não necessariamente uma pessoa, pode ser um padrão crítico interno que sabota seus passos;

3 – Reconhecer que “o sapatinho” nem sempre é externo, às vezes a prova que nos encaixa é reconhecer e validar uma qualidade nossa que passou despercebida.

Citemos um exemplo cotidiano, imagine uma pessoa que vive em empregos que a diminuem pode estar repetindo a cena de Cinderela. O convite não é esperar uma fada, mas identificar pequenas ações, as pequenas “pétalas” do sapatinho, que demonstrem competência, tais como cursos, conversas honestas, escolhas que aliam respeito e limites.

Não é necessário adorar qualquer leitura tradicional. Há críticas legítimas: feministas, históricas e contemporâneas apontam que certas versões glorificam passividade ou prêmios externos como única saída. Leitura atualizada de contos equilibra o valor simbólico com uma revisão crítica das mensagens sociais que não servem hoje, ou que precisam ser reescritas para promover agência e autonomia. Pesquisas recentes mostram como retóricas modernas do conto reconfiguram esses temas à luz das lutas atuais por igualdade e autonomia.

Contos de fadas são ferramentas psíquicas que trazem arquétipos que orientam, dramatizam conflitos que precisamos viver e oferecem finais simbólicos que reforçam esperança e capacidade de transformação. Ler um conto com olhos de adulto é aprender a decifrar mapas internos, saber onde se perde, onde se encontra e, sobretudo, como caminhar de volta para si com mais clareza. Não se trata de aceitar a história literalmente, mas de usar seus símbolos como luzes para a própria travessia.

Nos próximos textos abordarei cada um dos contos de fadas sob a visão psicanalítica individualmente e com mais profundidade.

Paz e luz.

 

1 – Carl Gustav Jung (1875-1961) foi psiquiatra suíço e fundador da Psicologia Analítica. Jung expandiu a compreensão do inconsciente, introduzindo conceitos como arquétipos e o inconsciente coletivo, e enfatizou a importância dos símbolos e da jornada individual de autoconhecimento.

2 – Individuação foi introduzido por Carl Gustav Jung e descreve o processo psicológico pelo qual uma pessoa se torna quem realmente é integrando aspectos conscientes e inconscientes da personalidade até alcançar um senso mais pleno de si mesma.

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