A Psicanálise dos Contos de Fadas: Os Três Porquinhos.Aproximadamente 4 min. de leitura

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Os contos de fadas habitam um lugar estranho entre o imaginário infantil e as lições que carregamos pela vida inteira. Quando olhamos para “Os Três Porquinhos” com olhos de psicanalista, percebemos que a história não é só sobre casas e um lobo faminto, é uma fábula sobre escolhas, impulsos, proteção e amadurecimento. Vamos percorrer essa narrativa como quem abre uma caixa de lembranças, encontrando ali medos, estratégias e aquilo que chamamos, de modo simples, de modos de lidar com o mundo.

Comecemos pelo enredo em poucas linhas: Três irmãos constroem casas, uma de palha, a segunda de madeira e a terceira de tijolo, e o lobo tenta derrubá-las. Dois se precipitam, um planeja. Na linguagem do sentido, as casas são defesas. A palha e a madeira representam soluções rápidas, imediatas, atraentes por sua facilidade, o tijolo, o investimento paciente, menos glamouroso mas mais resistente. A partir daqui, a leitura psicanalítica se desenha natural, qual é o papel do impulso, da habilidade de adiar a gratificação e do vínculo com a realidade?

Um dos conceitos que ajuda a pensar essa fábula é o equilíbrio entre impulso e previsão. Na criança, e no adulto, há um motor interno que busca satisfação imediata: Comer, brincar, fugir do desconforto. Esse motor não é um “vilão”, é energia vital. O problema surge quando ele governa sem freio. Os dois porquinhos que erguem casas frágeis simbolizam isso, criatividade e impulso sem ancoragem na realidade. O terceiro porquinho, que constrói de tijolos, encarna a capacidade de planejar, de tolerar trabalho e frustração para obter segurança duradoura. Psicanaliticamente, é a diferença entre reagir e simbolizar, entre agir para apagar o fogo imediato ou usar pensamento e imaginação para construir algo que resista às tempestades.

O lobo, por sua vez, não é só um antagonista externo. Ele também pode ser lido como medo interno, como a raiva, ansiedade, uma força que testa nossos limites. Quando a casa de palha cede, não é só culpa do lobo, é o encontro entre um perigo real e uma defesa inadequada. Isso nos leva a refletir sobre resiliência. A história valoriza aquele que pensa a longo prazo, não para moralizar, mas para mostrar que certas estratégias de vida aumentam a chance de permanência e autonomia.

Há também uma dimensão relacional, a presença dos irmãos dialoga com dinâmicas familiares. Cada irmão escolhe um caminho, é uma metáfora das diferentes formas como filhos aprendem com os pais e entre si. Aquele que constrói de tijolos pode ter internalizado um modelo de trabalho, contenção e responsabilidade, os outros, modelos de prazer imediato ou de busca por atalhos. Em terapia, reconhecer essas heranças ajuda a entender por que repetimos escolhas que, pela lógica do conto, nos expõem ao risco.

Outro ponto importante é a celebração do esforço e da inteligência prática. O conto não despreza a leveza da palha nem a utilidade da madeira, há momentos para improviso. A leitura psicanalítica útil é a da pluralidade, saber que diferentes mecanismos de defesa podem ser adequados em contextos distintos. A questão não é julgar o porquinho da palha, mas perceber quando a facilidade vira armadilha. A narrativa favorece a integração, ter criatividade e a capacidade de suportar trabalho.

Vamos trazer isso para a vida cotidiana com um exemplo simples: Imagine uma pessoa que troca de emprego a cada ano, atraída por promessas rápidas de realização, casas de palha. Pode sentir algo parecido com alívio temporário, mas vulnerabilidade financeira e emocional se instalam quando aparece “o lobo”, uma crise, uma doença, um corte. Outra pessoa que planeja, economiza e investe, o porquinho do tijolo, lida melhor com a mesma crise. O conto, então, nos convida a refletir sobre qual casa estamos construindo nas diversas áreas da vida: Afetiva, profissional, financeira.

Na clínica, trabalhar com essa fábula pode abrir conversas sobre tolerância à frustração, modelos parentais, e a relação entre desejo e responsabilidade. Um exercício terapêutico é pedir ao paciente para identificar suas “casas”, onde tem construído com tijolos, onde com palha, e explorar por que escolheu esses materiais. Nem sempre a resposta é racional, muitas vezes está ligada a medos, perdas, ou à promessa infantil de alívio imediato.

“Os Três Porquinhos” permanece relevante porque articula medos e soluções em imagens simples. A lição psicanalítica não é moralista, é descritiva e convidativa. Ela nos mostra que a inteligência emocional passa por avaliar riscos, tolerar frustração e escolher, quando necessário, o trabalho paciente. Construir com tijolos não significa se tornar rígido, e construir com palha não é sempre erro, mas reconhecer a diferença entre estratégia transitória e estrutura duradoura é, talvez, o verdadeiro aprendizado que o conto oferece.

No fim, a fábula nos devolve uma pergunta prática:

Que tipo de casa você quer para si?

E, na prática terapêutica, essa pergunta abre caminho para mudar materiais, ferramentas e, acima de tudo, atitudes.

Paz e luz.

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