Você já reparou como algumas pessoas parecem enxergar o mundo com uma pureza quase infantil, mesmo em meio ao caos da vida adulta? Há algo de desarmante nisso. Uma fé quase ingênua na bondade das pessoas, uma confiança de que tudo vai dar certo no final. Para muitos, isso pode soar como fraqueza. Mas na verdade, é uma força. É aí que entra o arquétipo do Inocente.
Quando falamos de arquétipos, estamos falando de padrões universais que vivem dentro de nós. Não são regras fixas ou personagens pré-montados. São mais como paisagens internas, que moldam nossa forma de ver o mundo e nos relacionar com ele. O Inocente é uma dessas paisagens. Ele é aquele aspecto da psique que confia, que acredita, que deseja voltar a um estado de harmonia, simplicidade e segurança.
O Inocente busca o paraíso perdido. Ele quer viver num mundo onde tudo faz sentido, onde as pessoas são boas e o mal é apenas um mal-entendido. Parece utópico? Talvez. Mas o Inocente não está aqui para ser prático. Ele é o nosso lado que sonha. Que ainda vê beleza nas pequenas coisas. Que insiste em continuar acreditando, mesmo quando tudo nos empurra para o cinismo.
Esse arquétipo costuma aparecer com mais força na infância, claro, mas ele não desaparece com a idade. Muitas vezes, ele fica guardado, meio escondido, esperando uma brecha para emergir de novo. Em alguns momentos da vida, somos chamados a reencontrar esse olhar. E, quando conseguimos, há uma espécie de cura. Como se uma parte muito antiga de nós respirasse aliviada.
Mas o Inocente também tem suas sombras. Ele pode negar a realidade, se recusar a enxergar o que é duro ou feio, pode cair na passividade, esperando que alguém resolva as coisas por ele, pode viver fugindo, preso numa fantasia, sem conseguir se responsabilizar pelas próprias escolhas. Por isso, o crescimento do Inocente passa pelo amadurecimento da fé, de uma crença cega para uma confiança consciente, que reconhece as dores do mundo sem perder a esperança.
Um exemplo belíssimo disso no cinema é o personagem Forrest Gump, interpretado por Tom Hanks. A trajetória de Forrest é uma verdadeira dança com o arquétipo do Inocente.
Forrest é um homem com limitações cognitivas, mas com um coração imenso. Ele não é um herói tradicional, daqueles que enfrentam dragões ou desafiam sistemas. Ele apenas segue sua vida com simplicidade, honestidade e um senso de justiça quase automático. Não questiona muito as ordens, mas se entrega com inteireza ao que faz. Seja correndo, jogando pingue-pongue, servindo no exército ou pescando camarão, Forrest coloca amor em tudo.
Sua inocência não é sinônimo de ignorância, pelo contrário. Ela é uma forma profunda de sabedoria., ele não complica, não se prende a julgamentos ou jogos de poder. E, curiosamente, é justamente isso que transforma quem está ao seu redor.
Jenny, sua amiga de infância, passa por traumas, vícios, fugas. Ela representa a vida adulta em sua versão mais dura. E, ainda assim, sempre retorna a Forrest, como quem busca um porto seguro. Sua presença lembra a ela, e a nós, que ainda existe um lugar onde o amor é simples, onde a presença vale mais do que palavras.
Outro momento simbólico é quando Forrest, sem grandes pretensões, começa a correr, corre por dias, meses, anos. Sem explicação, uma multidão começa a segui-lo. Ele se torna um símbolo, mesmo sem querer. Ali, vemos o poder transformador do Inocente, ele inspira não porque grita, mas porque vive com inteireza.
O Inocente, no fundo, nos ensina que não é preciso entender tudo para viver bem. Às vezes, basta confiar no próximo passo.
A jornada de Forrest mostra que a inocência verdadeira, aquela que nasce do coração, e não da falta de experiência, tem o poder de curar. Ela toca as pessoas, quebra defesas, reconecta o que estava fragmentado. Não é à toa que muitos saem do filme com os olhos marejados. Não por pena de Forrest, mas por saudade de si mesmos. Da parte de si que já foi assim, inteira, leve, confiante.
No fim, talvez o Inocente nos lembre daquilo que esquecemos com o tempo, que viver pode, sim, ser simples, que podemos escolher confiar, que ainda dá tempo de olhar o mundo com novos olhos. E que, mesmo quando tudo parece confuso, às vezes, uma simples caixa de bombons ou uma corrida sem motivo, pode nos lembrar que a vida é, acima de tudo, surpreendente.
E isso, convenhamos, é um bom começo.
Paz e Luz.