O humor, ah, o humor! Essa ferramenta tão poderosa e, por vezes, tão traiçoeira. Ele nos faz rir, nos conecta, mas também pode, sem que percebamos, escancarar o que de mais íntimo guardamos: nossos preconceitos, nossos valores, aquilo que, no dia a dia, tentamos disfarçar. E é justamente nesse ponto que a psicanálise, com sua lupa afiada, se debruça para entender o que se passa por trás da gargalhada.
Recentemente, o caso do humorista Leo Lins trouxe à tona um debate que, para nós, psicanalistas, é um prato cheio: os limites do humor e o que ele diz sobre quem o produz e, mais importante, sobre quem o consome. Não se trata aqui de julgar a condenação, mas de usar o episódio como um convite à reflexão. Afinal, por que certas piadas nos fazem rir, enquanto outras nos causam desconforto ou até repulsa? A resposta, muitas vezes, está nas profundezas do nosso inconsciente.
Para Freud, o pai da psicanálise, o humor não é apenas uma forma de entretenimento. Ele é uma válvula de escape, um mecanismo de defesa que nos permite lidar com conteúdos reprimidos, com desejos e impulsos que a sociedade nos ensina a esconder. Quando rimos de uma piada, estamos, de certa forma, liberando uma tensão, um conflito interno. Mas e quando essa piada atinge o outro, quando ela humilha, desumaniza? Aí a coisa muda de figura.
O humor que se baseia na depreciação do outro, seja por sua raça, gênero, orientação sexual ou condição física, revela algo muito além da intenção do humorista. Ele expõe as fissuras da nossa própria estrutura psíquica, os preconceitos que, mesmo que não admitamos, ainda habitam em nós. É como se a piada, ao invés de aliviar a tensão, a reforçasse, encontrando eco em um inconsciente coletivo que ainda carrega resquícios de intolerância e discriminação.
Imagine que o humor é um espelho. O que ele reflete nem sempre é bonito de se ver. No caso de piadas que atacam minorias, por exemplo, o riso pode ser um sinal de que estamos, de alguma forma, compactuando com a violência simbólica ali presente. Não é que sejamos pessoas ruins, mas talvez estejamos tão acostumados a certos padrões de pensamento que nem percebemos o quanto eles são prejudiciais. É o que chamamos de “banalidade do mal”, a normalização de atitudes que, em sua essência, são cruéis.
E o que fazer diante disso? O primeiro passo é a autoanálise. Questionar-se: por que eu ri disso? O que essa piada me revela sobre mim mesmo? É um exercício desconfortável, eu sei, mas extremamente necessário para o nosso amadurecimento emocional e social. A psicanálise nos ensina que o autoconhecimento é o caminho para a liberdade, para nos desvencilharmos das amarras do inconsciente e construirmos uma sociedade mais justa e empática.
O humor, em sua essência, tem o poder de nos unir, de nos fazer enxergar a vida com mais leveza. Mas ele também tem a capacidade de nos dividir, de reforçar estereótipos e preconceitos. A diferença está na nossa capacidade de discernimento, de questionar o que nos é apresentado e de refletir sobre o impacto das nossas risadas. Que o caso Leo Lins, então, sirva não apenas como um alerta, mas como um convite à introspecção. Que ele nos ajude a usar o humor como uma ferramenta de conexão, de crítica construtiva, e não de exclusão. Porque, no fim das contas, o que o humor revela sobre nosso caráter é o que ele nos permite ser: seres humanos em constante construção, capazes de rir de si mesmos, mas jamais do sofrimento alheio.
Paz e luz.