Quem nunca se pegou pensando: Será que eu consigo mudar de verdade?
Às vezes, parece que estamos presos em velhos hábitos, repetindo padrões de relacionamento ou carregando angústias que parecem fazer parte de quem somos. Aquele antigo ditado, “pau que nasce, nunca se endireita”, ecoa em nossa cultura, sugerindo que, depois de certa idade, nossa personalidade e nosso jeito de ser estão basicamente definidos. Mas será que é assim mesmo? E se a ciência mais recente, aquela que investiga os mistérios do nosso cérebro, nos dissesse o contrário?
É fascinante pensar que, muito antes dos equipamentos modernos de neuroimagem, a psicanálise já intuía nossa imensa capacidade de transformação interior. Desde Freud, a ideia de que podemos revisitar nossa história, compreender nossos conflitos internos e, através dessa elaboração, encontrar novas formas de viver e sentir, é central.
A terapia psicanalítica sempre foi um convite a essa jornada de redescoberta, uma aposta na possibilidade de reescrever, ao menos em parte, o roteiro da nossa vida psíquica. O que talvez não imaginássemos é que, décadas depois, a neurociência viria não só confirmar, mas também explicar biologicamente essa capacidade.
O nome dessa “mágica” científica é neuroplasticidade. Parece complicado, mas a ideia é surpreendentemente simples e poderosa. Nosso cérebro não é uma estrutura rígida e imutável, como se pensava antigamente. Pelo contrário, ele é extraordinariamente adaptável, capaz de se reorganizar fisicamente em resposta às nossas experiências, pensamentos, emoções e até mesmo aos nossos comportamentos. Imagine o cérebro como uma cidade dinâmica: novas ruas (conexões neurais) podem ser construídas, ruas antigas e pouco usadas podem se tornar menos importantes, e áreas inteiras podem se adaptar para assumir novas funções. Tudo depende de como “vivemos” nessa cidade, de quais caminhos percorremos com mais frequência.
Como isso funciona na prática? De forma simplificada, cada vez que aprendemos algo novo, temos uma experiência marcante ou até mesmo mudamos um pensamento recorrente, ativamos determinados circuitos de neurônios. A famosa frase “neurônios que disparam juntos, conectam-se” (Hebb, 1949) resume bem: quanto mais usamos uma via neural, mais forte ela se torna. Pense em aprender a tocar violão: no início, é difícil, os dedos não obedecem, parece impossível. Mas com a prática persistente, os neurônios responsáveis por aqueles movimentos e pela leitura das notas vão criando conexões mais eficientes. O cérebro está, literalmente, se remodelando para acomodar essa nova habilidade. O mesmo vale para superar um medo, como o de dirigir, ou para abandonar um vício. Cada passo, cada pequena vitória, está reforçando novos caminhos neurais e enfraquecendo os antigos associados ao medo ou ao hábito.
E aqui chegamos ao ponto crucial: como a neuroplasticidade se conecta com a transformação que a psicanálise propõe?
A resposta é que o processo terapêutico, especialmente aquele que nos convida a mergulhar em nosso mundo interno, é um poderoso motor de neuroplasticidade. Quando, em um ambiente seguro e acolhedor, falamos sobre nossas dores, exploramos memórias, identificamos padrões repetitivos e ousamos sentir emoções difíceis, estamos oferecendo ao nosso cérebro exatamente o tipo de “experiência” que estimula a mudança.
Não se trata apenas de entender intelectualmente nossos problemas. A transformação real acontece quando a compreensão (insight) se une a uma nova experiência emocional. Ao revisitar uma memória dolorosa com um novo olhar, mediado pela relação terapêutica, podemos começar a dessensibilizar as antigas vias neurais associadas àquele trauma e construir novas, ligadas a um senso de compreensão, aceitação ou resiliência. É como se a terapia nos ajudasse a pegar o “mapa” da nossa cidade cerebral e, conscientemente, começar a traçar novas rotas, mais saudáveis e funcionais. Deixamos de ser meros passageiros dos nossos circuitos automáticos para nos tornarmos, aos poucos, arquitetos mais conscientes da nossa paisagem neural.
O que tudo isso significa para nossa capacidade de reinvenção? Significa que a esperança de mudar não é apenas um desejo vago, mas uma possibilidade ancorada na biologia do nosso cérebro. A neuroplasticidade nos mostra que temos, sim, a capacidade de aprender, desaprender e reaprender ao longo de toda a vida. Podemos modificar padrões de pensamento que nos limitam, desenvolver novas habilidades emocionais, construir relacionamentos mais satisfatórios e, em essência, nos reinventar.
Claro, isso não quer dizer que a mudança seja fácil ou instantânea. Mudar exige esforço, paciência, autocompaixão e, muitas vezes, o apoio de um profissional que nos guie nesse processo. As vias neurais antigas podem ser teimosas, e construir novas requer prática e persistência. Mas saber que nosso cérebro está fundamentalmente “programado” para a mudança é um alento poderoso.
A ciência, ao desvendar a neuroplasticidade, nos oferece uma visão otimista sobre o potencial humano. Ela valida a intuição antiga da psicanálise de que somos seres em constante construção, capazes de transcender nossas limitações e de buscar uma vida com mais sentido e bem-estar. A jornada da transformação continua sendo uma aventura profundamente pessoal e única, mas agora sabemos que temos a nosso favor a incrível capacidade do nosso próprio cérebro de se refazer. E isso, por si só, já é um convite fascinante à redescoberta.
Paz e Luz.