A figura do Papai Noel que conhecemos hoje não nasceu em um trenó puxado por renas no Polo Norte. Sua origem histórica é bem mais pé no chão e remonta ao século IV, na atual Turquia.
O nosso ponto de partida é São Nicolau de Mira, um bispo cristão conhecido por sua imensa bondade e generosidade, especialmente com os pobres e as crianças. Ele nasceu por volta de 270 d.C. e sua fama de realizar milagres e de ajudar anonimamente correu a Europa.
Uma das lendas mais famosas conta que ele salvou três irmãs da prostituição, jogando secretamente sacos de ouro pela janela de sua casa para que o pai delas pudesse pagar os dotes, garantindo-lhes casamentos dignos. Esse ato de presentear anonimamente e de prover em segredo é o primeiro elo fundamental com o nosso moderno Papai Noel.
Com o tempo, essa figura de São Nicolau se espalhou, principalmente pela Europa. Em muitos países, a celebração do seu dia, 6 de dezembro, era o momento de dar presentes.
À medida que a figura de São Nicolau viajava pelo continente, ela se fundiu com tradições pagãs nórdicas e germânicas ligadas ao solstício de inverno1 e à caça selvagem, transformando-se em diferentes personagens:
O nome holandês para São Nicolau é Sinterklaas. É ele quem usa vestes episcopais, parecidas com as de um padre ou bispo, e que chega de barco, acompanhado de ajudantes, para distribuir presentes em 5 ou 6 de dezembro. A tradição holandesa foi crucial para a transição do mito.
Na Inglaterra surgiu o Father Christmas, que era uma figura mais associada à alegria e à celebração do inverno, não necessariamente ligado à doação de presentes, mas mais a banquetes e festividades.
Nos países Nórdicos personagens como os Tomte ou Nisse, espécie de gnomos ou duendes, eram os responsáveis por cuidar das casas e fazendas e, no Natal, recebiam presentes ou faziam a distribuição.
A verdadeira transformação para o Papai Noel que conhecemos aconteceu quando a tradição holandesa de Sinterklaas foi levada para a Nova Amsterdã, que se tornaria Nova Iorque, no século XVII.
Nos Estados Unidos, o nome “Sinterklaas” evoluiu para Santa Claus.
Em 1823 o Poema “Uma Visita de São Nicolau”, mais conhecido como “Twas the Night Before Christmas”, poema este atribuído a Clement Clarke Moore2, descreveu Santa Claus como um elfo alegre, gordinho, que descia pela chaminé e viajava em um trenó em miniatura puxado por renas. O poema consolidou a ideia do trenó e das renas.
Na década de 1860 as Ilustrações de Thomas Nast3, cartunista do século XIX, usando como base o poema, criou ilustrações para a revista Harper’s Weekly4. Ele foi o responsável por vestir Santa Claus com um casaco vermelho, cinto e botas de couro, e por fixar a ideia de que ele vivia no Polo Norte.
É um mito popular que a Coca-Cola tenha inventado a roupa vermelha. A cor já aparecia em muitas ilustrações de Nast e em outras representações. No entanto, a Coca-Cola, a partir da década de 1930, com o ilustrador Haddon Sundblom5, popularizou de forma massiva e globalmente a imagem do Santa Claus gordinho, simpático, de barba branca e, crucialmente, vestindo um vermelho e branco vibrantes, as cores da marca. A força dessa campanha cimentou a imagem vermelha na nossa mente de uma forma inquestionável.
A transição do feriado de São Nicolau (6 de dezembro) para o Natal em 25 de dezembro reflete um dos movimentos mais engenhosos da História do Cristianismo, a ressignificação cultural. Historicamente, não há nenhuma prova de que Jesus tenha nascido exatamente em 25 de dezembro. Na verdade, essa data foi estrategicamente escolhida pela Igreja Católica, no século IV, para coincidir com as grandes festividades pagãs romanas que celebravam o Solstício de Inverno, o dia mais curto do ano no Hemisfério Norte, e o Natalis Solis Invicti, o “Nascimento do Sol Invencível”, dedicado ao deus-sol Mitra e outras divindades solares.
Ao associar o nascimento de Cristo, o “Sol da Justiça” ou a “Luz do Mundo”, a uma data já profundamente enraizada e celebrada, a Igreja facilitou a conversão das massas romanas e a assimilação de seus rituais. Dessa forma, a figura de São Nicolau, o doador de presentes, acabou sendo transferida e fundida à celebração do nascimento de Cristo na mesma época, fazendo com que o ato de presentear, antes ligado a 6 de dezembro, se tornasse o ponto alto da Véspera de Natal, transformando o bispo turco em Papai Noel e ligando-o permanentemente à festividade maior.
Por que essa história nos toca tanto?
O mito do Papai Noel, em termos psicanalíticos, é uma fantasia estruturante. Ele representa a crença na magia da provisão, a esperança de que, se formos “bons”, o critério moral é importante, seremos recompensados.
Para a criança, ele é a personificação de um Grande Outro benévolo, que tudo vê e tudo sabe, quem se comportou e quem não, mas que, no fim, é puramente dadivoso. Essa figura ajuda a criança a lidar com a frustração e com as regras do mundo real, oferecendo uma válvula de escape mágica.
Para o adulto, ele é o convite para a regressão saudável, para nos conectarmos com a criança interna que ainda acredita na bondade essencial e na possibilidade de um desejo ser realizado, mesmo que seja apenas uma vez ao ano, sob a árvore de Natal.
A história do Papai Noel, de São Nicolau a Santa Claus, é o testemunho da nossa necessidade humana de criar significado. É a forma como transformamos a generosidade histórica de um bispo em um mito global que fala sobre esperança, bondade anônima e a mágica da expectativa.
E é isso que torna o Papai Noel eterno, não é o presente que ele entrega, mas a fé que ele representa em um mundo um pouco melhor e mais generoso.
Paz e luz.
1 – O Solstício de Inverno é o momento astronômico que marca o início oficial do inverno. No Hemisfério Norte, ele ocorre por volta de 21 ou 22 de dezembro e representa o dia com o período de luz solar mais curto e a noite mais longa do ano. A palavra “solstício” vem do latim solstitium, que significa “sol parado”, pois o sol atinge seu ponto mais baixo no céu. Historicamente, muitas culturas, incluindo a romana, celebravam este período como um momento de renascimento da luz e do ciclo solar, o sol começaria a retornar e os dias a ficarem mais longos, o que explica a forte associação da data com festividades pagãs e, posteriormente, com o Natal.
2 – Clement Clarke Moore (1779–1863) foi um escritor, acadêmico e professor americano, mais conhecido como o autor creditado do poema natalino “A Visit from St. Nicholas” (Uma Visita de São Nicolau), escrito em 1822. Publicado anonimamente pela primeira vez, este poema é fundamental na construção da imagem moderna do Papai Noel (Santa Claus), popularizando características como o trenó puxado por renas e dando nome a elas e descrevendo-o como um “elfo velhinho, alegre, gordinho” que desce pela chaminé. Ele ajudou a transformar a figura histórica de São Nicolau no ícone alegre e mágico que conhecemos hoje.
3 – Thomas Nast (1840–1902) foi um influente cartunista político e ilustrador americano nascido na Alemanha, amplamente considerado o “Pai do Desenho Animado Americano”. Trabalhando principalmente para a revista Harper’s Weekly no século XIX, Nast foi responsável por popularizar muitos símbolos americanos duradouros, como a imagem moderna do Elefante Republicano e do Burro Democrata. Mais relevante para o texto, ele é creditado por consolidar a imagem visual moderna do Papai Noel (Santa Claus), utilizando o poema de Clement Clarke Moore como base. Nast foi quem vestiu o personagem com o casaco vermelho aparado com pele, fixou sua residência no Polo Norte e estabeleceu o Papai Noel como uma figura alegre, gordinha e de barba branca, essencialmente a que conhecemos hoje.
4 – Harper’s Weekly (1857–1916) foi uma influente revista semanal ilustrada americana, publicada pela editora Harper & Brothers. Considerada uma das publicações mais importantes de seu tempo, ela se destacou por oferecer uma cobertura aprofundada de notícias, política, ficção e, principalmente, por suas ilustrações e gravuras. Foi no contexto da Harper’s Weekly, durante a Guerra Civil Americana e nas décadas seguintes, que o cartunista Thomas Nast publicou suas icônicas imagens de Santa Claus (Papai Noel), que o vestiram com a roupa vermelha e ajudaram a consolidar a figura moderna do bom velhinho para o público global. A revista teve um papel crucial na formação da opinião pública e na definição de ícones culturais americanos.
5 – Haddon Hubbard Sundblom (1899–1976) foi um proeminente ilustrador e artista americano de origem escandinava, mais conhecido por ter criado as imagens mais icônicas e globalmente reconhecidas do Papai Noel (Santa Claus) para a The Coca-Cola Company, a partir de 1931. Embora não tenha inventado a roupa vermelha, suas ilustrações de um Papai Noel alegre, corpulento, de barba branca e vestindo o vermelho vibrante (cores da Coca-Cola) foram publicadas em campanhas massivas por mais de 30 anos, padronizando definitivamente a aparência do bom velhinho no imaginário popular mundial. Ele também é conhecido por ter atualizado a imagem do “Homem Quaker” (Quaker Oats) em 1957.




