João e o Pé de Feijão é um daqueles contos que nos acompanha desde cedo, uma troca arriscada, um salto para o desconhecido e a subida por um pé de feijão que atravessa o céu até um castelo de gigante. Por trás da fantasia há uma economia simbólica rica, falamos de risco, de promessa de ascensão, de confronto com o “outro” gigantesco e de transformação da família por meio de um ato que mistura ingenuidade e coragem. Historicamente, a história tem raízes antigas e várias versões impressas e orais, o que explica sua persistência cultural.
Olhando para o pé de feijão como eixo de transição, o feijão mágico é um símbolo de potencial, algo aparentemente inútil que, quando nutrido, cria um canal para o incomum. Psicanaliticamente, o pé de feijão funciona como um “eixo” entre dois mundos, o doméstico (a terra, a casa, a mãe) e o inconsciente (o alto, o castelo nas nuvens). Subir o pé de feijão equivale a entrar num cenário interior de prova e descoberta.
Temos o gigante como figura do poder e do medo, o gigante reúne a ambivalência de qualquer autoridade, ao mesmo tempo aterradora e responsável por riquezas que parecem inalcançáveis. Ele pode representar o pai distante ou ameaçador, as forças coletivas que exploram, ou até um lado sombrio da cultura que devora os mais frágeis. Roubar do gigante é tomar posse de recursos proibidos, é um ato que traz culpa e, ao mesmo tempo, emancipa.
Partimos da mãe e da comunidade, onde a reação da mãe, que passa por raiva, incredulidade, medo, marca o ponto de partida. João não apenas busca riqueza material, ele busca restaurar a segurança da família. O conflito entre o desejo individual de aventura e a necessidade coletiva de sobrevivência é um motor narrativo que ecoa na vida real. Jovens que arriscam caminhos pouco ortodoxos para tirar a família da penúria.
Pense num jovem que decide empreender num projeto pouco convencional. Amigos e família acham a escolha “feijão” inútil e perigosa. Mas, se o projeto cresce, cria um novo mundo de possibilidades. A subida no pé de feijão é a jornada do empreendedor, do artista ou do terapeuta que se aventura onde poucos foram. O confronto com o gigante, seja um mercado hostil, um sistema opressor ou um trauma interno, exige esperteza, coragem e, muitas vezes, uma transgressão moral traduzida por roubar o que é necessário para reerguer-se.
Em terapia, alguns pacientes relatam “pequenos feijões”, decisões que parecem sem sentido, que desencadeiam transformações profundas. A narrativa ajuda a legitimar a ideia de que o arriscar consciente, quando acompanhado de reflexão, pode servir ao processo de individuação1, deixando de ser apenas a criança dependente e tornando-se alguém que escolhe, arrisca e reconstrói.
Um ponto que a psicanálise destaca é a ambivalência moral do conto. João engana, rouba e mata um gigante, atos que em termos éticos simples soariam condenáveis. No entanto, o conto opera numa lógica simbólica onde tais atos podem significar justiça poética, reequilíbrio ou sobrevivência. Essa ambivalência é útil para a clínica, nem todo comportamento “transgressor” é patológico, muitas vezes é uma resposta adaptativa a situações intoleráveis.
João e o Pé de Feijão perdura porque articula de modo direto três experiências humanas universais: Necessidade, encontro com o desconhecido e transformação.
O pé de feijão nos lembra que o extraordinário pode nascer do ordinário, o gigante nos lembra dos limites e medos, a aventura nos lembra que crescer exige riscos.
Lido com sensibilidade psicanalítica, o conto é um mapa para quem deseja entender como sonhos, escolhas impetuosas e confrontos com o poder se entrelaçam na formação do sujeito.
A versão hoje mais conhecida sintetiza tradições orais e impressas, e estudiosos mostram que o tipo de conto ao qual João pertence tem raízes muito antigas, persistindo em diversas culturas.
Paz e luz.
1 – Individuação: termo central na psicologia analítica de Carl Gustav Jung que designa o processo de desenvolvimento psicológico pelo qual uma pessoa se torna quem realmente é, integrando aspectos conscientes e inconscientes da personalidade para alcançar uma totalidade interior mais autêntica.




