Arquétipos: A PersonaAproximadamente 4 min. de leitura

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Imagine que todos nós temos uma espécie de “máscara social”, algo que vestimos, muitas vezes sem perceber, para sermos aceitos, amados ou simplesmente sobrevivermos no meio dos outros. Essa máscara não é de mentira. Ela tem função, tem história, e, principalmente, tem um preço. Na psicologia analítica de Carl Gustav Jung1, essa máscara tem nome: Persona.

Pode parecer estranho pensar que usamos máscaras todos os dias, mas experimente observar seu comportamento com mais atenção. Você fala da mesma forma com sua mãe e com seu chefe? Age igual com seu parceiro(a) e com seus amigos de infância? Provavelmente não. Isso porque, de forma inconsciente, moldamos nossos gestos, palavras e até mesmo pensamentos para nos adaptarmos ao que esperamos ou tememos do outro. E é aí que entra a Persona.

A Persona é um arquétipo. E, para simplificar, arquétipos são estruturas psíquicas universais, padrões herdados que organizam como vemos e vivemos o mundo. Eles não são “coisas” ou personagens com regras rígidas, mas formas pelas quais a psique humana se manifesta desde sempre.

A Persona é o arquétipo responsável pela nossa adaptação ao mundo exterior. É como um uniforme invisível que vestimos para funcionar em sociedade. Sem ela, talvez não conseguíssemos trabalhar, conviver, manter relações. Ela nos ajuda a cumprir papéis como ser o professor, a mãe, o artista, o técnico, o vizinho e cada papel com sua linguagem, seus rituais, seus limites.

Mas não se engane, embora necessária, a Persona não é quem você é de verdade.

O problema surge quando começamos a acreditar que a Persona é a nossa identidade. Quando confundimos a máscara com o rosto. Isso gera uma série de dificuldades emocionais, porque nossa essência, o que Jung chamava de “Self”, fica sufocada. Vivemos então uma existência voltada apenas para o que os outros esperam, e perdemos a conexão com o que de fato sentimos, desejamos ou precisamos.

É como um ator que nunca sai do palco, mesmo quando o espetáculo termina. Aos poucos, ele se esquece de quem era antes do personagem.

Esse conflito entre o que mostramos e o que somos pode gerar ansiedade, frustração, sensação de vazio e até quadros mais graves de sofrimento psíquico.

Para ilustrar tudo isso, não precisamos ir muito longe. O cinema frequentemente mergulha nesse tipo de tensão humana. Um exemplo que me toca profundamente é o personagem Arthur Fleck, do filme Coringa (2019).

Arthur é um homem quebrado por dentro, vivendo numa sociedade que exige dele um desempenho constante: ser engraçado, ser gentil, ser “normal”. Sua Persona é literal, uma maquiagem de palhaço, mas também simbólica. Ele sorri quando está sofrendo, ri quando quer gritar. Ensaia falas para parecer socialmente aceitável, enquanto o mundo ao redor o ignora ou o agride.

A Persona de Arthur, em vez de ajudá-lo a se integrar ao mundo, o afasta cada vez mais de si mesmo. Ele tenta manter o papel, mas aos poucos vai colapsando, até que não consegue mais sustentar a mentira. O que emerge então não é apenas a sombra, outro arquétipo, ligado aos aspectos reprimidos de nós mesmos, mas uma figura trágica que perde o limite entre o dentro e o fora, entre o ator e o personagem.

Esse colapso da Persona é doloroso, tanto para quem o vive quanto para quem assiste, mas também é revelador, mostra o que acontece quando passamos a vida tentando agradar, esconder ou camuflar nossa verdade.

Claro, a grande maioria de nós não vive uma tragédia como a de Arthur, mas todos temos nossas máscaras, e todos precisamos, em algum momento, encarar a pergunta: Quem eu sou por trás disso?

A Persona é necessária, repito. Não se trata de eliminá-la, mas de reconhecê-la. De perceber quando ela nos protege e quando começa a nos aprisionar. De dar espaço para que nossa essência tenha voz, mesmo que só de vez em quando, num gesto, num silêncio, num desabafo sincero.

Psicoterapia é, muitas vezes, esse processo, tirar devagar as máscaras que usamos por tanto tempo, com tanto esforço, e descobrir que, apesar do medo, há vida por trás delas. Uma vida mais autêntica, mais vulnerável, e por isso mesmo mais real.

A Persona é uma ferramenta, um traje necessário para transitar no mundo, mas como toda roupa, precisa servir. Se começa a apertar demais, esconder demais, machucar demais, talvez seja hora de tirar, pelo menos por um tempo, e se olhar no espelho sem pintura.

Não é fácil. Mas é assim que começamos a deixar de atuar para, enfim, viver.

 

1 – Carl Gustav Jung (1875–1961) foi um psiquiatra e psicoterapeuta suíço, fundador da psicologia analítica. Discípulo dissidente de Freud, Jung desenvolveu conceitos fundamentais como os arquétipos, o inconsciente coletivo e o processo de individuação. Sua abordagem valorizava os símbolos, os mitos e os sonhos como caminhos para compreender a psique humana em sua totalidade.

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