Arquétipos: O GovernanteAproximadamente 4 min. de leitura

Leia o artigo

Existe algo dentro de nós que anseia por ordem. Um impulso por controlar o caos, construir estruturas, manter tudo funcionando “como deve ser”. Esse impulso é profundamente humano, e é justamente ele que se expressa através do arquétipo do Governante.

Na linguagem dos arquétipos, o Governante é aquele que deseja liderar com sabedoria, proteger seu povo e garantir estabilidade. É uma imagem antiga, presente em reis, rainhas, presidentes, chefes de família e até em quem simplesmente toma as rédeas quando ninguém mais o faz. Esse arquétipo não se limita ao trono. Ele se manifesta em qualquer lugar onde há responsabilidade, autoridade e a necessidade de tomar decisões que impactam os outros.

No seu aspecto mais saudável, o Governante é ético, justo, organizado e responsável, ele se compromete com o bem coletivo e assume a liderança não por vaidade, mas por vocação. Ele ouve, pondera, cuida e direciona. Esse tipo de líder entende que poder e serviço caminham juntos.

Podemos vê-lo na figura de líderes inspiradores, em mães e pais que guiam suas famílias com firmeza e amor, em gestores que criam ambientes seguros e produtivos. A presença desse arquétipo traz confiança. Sabemos que, se algo der errado, ele estará lá para encontrar uma saída.

No entanto, quando o medo de perder o controle toma conta, o Governante pode se transformar numa figura tirânica. Ele passa a governar com base no medo, na manipulação, na rigidez, ao invés de proteger, oprime, ao invés de servir, exige submissão.

Essa versão distorcida do Governante tenta garantir a ordem a qualquer custo, mesmo que isso signifique calar vozes, esconder verdades ou sacrificar a liberdade dos outros. O desejo inicial de proteger o coletivo se transforma num desejo egoísta de manter o poder.

É aí que a liderança se corrompe e a autoridade vira autoritarismo.

Um dos exemplos mais emblemáticos dessa dinâmica pode ser visto na saga Jogos Vorazes. O presidente Snow é a personificação do Governante sombrio. Ele governa com punho de ferro, controla a população por meio do medo e da escassez, e disfarça sua tirania com uma aparência de sofisticação e ordem.

Snow não lidera para proteger, ele lidera para manter o próprio poder, manipula os jogos, reprime os distritos e elimina qualquer ameaça ao seu domínio. É um Governante que caiu na armadilha de confundir controle com segurança, e poder com legitimidade. Seu medo de perder a posição o torna cada vez mais cruel.

Katniss, por outro lado, começa como uma figura totalmente fora da lógica do poder. Ela não quer liderar, tudo que ela deseja é proteger sua irmã, sobreviver e manter sua humanidade intacta, mas com o tempo, e quase contra sua vontade, ela se torna uma líder.

Diferente de Snow, Katniss carrega o peso da liderança com dor e consciência. Ela representa o nascimento de um novo tipo de Governante, um que não está interessado em dominar, mas em reconstruir. Sua relutância inicial dá lugar a um senso de responsabilidade genuíno. Ela não quer ser símbolo de nada, mas acaba se tornando símbolo de resistência e esperança.

Katniss revela o lado mais humano do arquétipo, o poder que surge do cuidado, da dor e da empatia. E isso é o que faz dela uma líder legítima, mesmo que imperfeita.

Esse arquétipo não vive só nos palácios ou nas telas do cinema, ele vive em cada um de nós. Surge quando precisamos assumir responsabilidade por algo maior que nós mesmos, quando somos chamados a colocar ordem no caos, seja dentro da nossa casa, numa equipe de trabalho, ou até em nossos próprios sentimentos.

A pergunta que fica é: que tipo de Governante habita em mim?

Será que, no desejo de manter tudo sob controle, estou me tornando inflexível? Será que tenho medo de dividir responsabilidades, de confiar nos outros? Ou será que estou pronto para liderar com equilíbrio, coragem e compaixão?

A resposta não é simples, as reconhecer esse arquétipo dentro de nós já é um bom começo, porque, no fundo, todo verdadeiro Governante precisa primeiro aprender a governar a si mesmo.

E talvez seja aí que mora o maior poder de todos.

Paz e Luz.

Autor

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *