É comum, e até doloroso, ouvir na sala de terapia: “Eu sempre me apaixono pelo tipo errado” ou “toda relação termina do mesmo jeito”. Essa sensação de déjà-vu emocional costuma vir junto com vergonha, raiva e a impressão de que algo em nós está quebrado. A boa notícia é que esse “repetir” tem explicação, e não é destino, é história, uma mistura de feridas antigas, imagens interiores e mecanismos que usamos para nos proteger.
Desde o começo da vida formamos modelos internos sobre o que esperar do outro e de nós mesmos. Relações com cuidadores moldam expectativas, confiança e medo, quando essas primeiras ligações foram inconsistentes, negligentes ou assustadoras, é comum carregar para a vida adulta estratégias que, sem querer, atraem parceiros que confirmam essas expectativas. Em linguagem clínica, isso está ligado à teoria do apego, onde a qualidade do vínculo na infância influencia como buscamos intimidade depois. Reconhecer isso não é desculpa e sim informação poderosa para mudar.
Um dos mecanismos que mantém os padrões é a projeção. Ao projetarmos, atribuímos ao parceiro sentimentos, intenções ou falhas que, na verdade, pertencem a nós mesmos, por exemplo, alguém que teme ser abandonado pode “ver” abandono em gestos neutros do outro e reagir como se a ameaça fosse real. A projeção funciona como um espelho distorcido, ela organiza a realidade em torno do que já sentimos internamente, e assim repetimos cenas com pequenas variações. Aprender a reconhecer quando estamos projetando é um primeiro passo prático para interromper o ciclo.
Além das experiências pessoais, carregamos imagens coletivas, os arquétipos, que dão sentido ao amor, podendo passar pelo salvador, pela vítima, pelo herói, pela amante ferida. Essas figuras junguianas não são literalmente pessoas, mas padrões de expectativas e papéis que nos atraem e nos orientam inconscientemente. Às vezes nos apaixonamos não por uma pessoa inteira, mas por uma imagem que ela ativa em nós. Trazer essa imagem à consciência reduz o poder dela e nos permite escolher de forma mais madura.
Juntando as peças temos feridas de apego criando gatilhos emocionais, projeções encenam esses gatilhos no parceiro, arquétipos dão forma e narrativa a isso tudo.
O resultado?
Relações que seguem um roteiro, atração intensa, confirmação do medo, repetição do abandono ou da rejeição.
Importante lembrar que padrões podem ser transformados. Terapia, relações novas e experiências que contradizem o modelo antigo servem como “nova evidência” para o cérebro emocional e abrem espaço para escolhas diferentes.
Vamos a um exemplo: Mariana sempre se relacionou com homens inacessíveis. Na terapia descobriu que, na infância, sua mãe era calorosa às vezes e distante em outras; isso ensinou-lhe a vigiar sinais e a confundir neutralidade com rejeição. Quando um novo parceiro se mostrava calmo, Mariana interpretava silêncio como desinteresse e se afastava, e assim repetia a ferida. Ao aprender sobre apego e projeção, ela começou a perguntar antes de supor, e a testar hipóteses pequenas: “quando você fica mais quieto, isso significa que está cansado ou que não gosta de mim?” Pequenas experiências diferentes foram suficientes para modificar o padrão.
Abaixo passo alguns passos práticos para começar a mudar.
Observe sem culpa, identifique o padrão (quem você atrai, quais fases sempre se repetem).
Registre gatilhos, note situações que despertam reações fortes, assim fica mais fácil mapear projeções.
Teste hipóteses com o outro, em vez de supor, pergunte e valide.
Trabalhe com um profissional, a terapia amplia a capacidade de tolerar a frustração, integrar a “sombra” e reescrever narrativas antigas.
Experimente relações seguras em pequena escala, trabalhando em amizades e vínculos afetivos que respeitem limites e servem de treino.
Repetir padrões no amor é doloroso, mas explicável e, sobretudo, tratável. A transformação começa quando paramos de nos ver como vítimas de um roteiro imutável e passamos a estudar nossas cenas internas com curiosidade. Não é sobre corrigir um “erro” no amor, é sobre ampliar o mapa, reconhecer a origem das escolhas, desarmar as projeções e escolher, aos poucos, de modo mais consciente. Esse trabalho pede coragem e traz de volta a possibilidade real de relacionamentos que nos nutram, ao invés de nos repetir.
Paz e luz.