Quem nunca se sentiu um pouco deslocado em um almoço de família, como se estivesse vestindo uma roupa que não serve direito? Ou talvez no trabalho, quando percebeu que esperavam de você uma postura que não parecia natural? Essas sensações, que muitas vezes guardamos em silêncio, são pistas importantes sobre os papéis que nos são dados e, de alguma forma, acabamos aceitando.
Desde que nascemos, somos inseridos em um palco social. Primeiro, na família, o filho mais velho responsável, a caçula “protegida”, o “rebelde” da turma. Depois, na escola, entre amigos e, finalmente, no mundo profissional. Cada um desses cenários vem com um roteiro mais ou menos definido, um conjunto de expectativas sobre como devemos agir, sentir e até pensar. Esses são os papéis sociais, e eles funcionam como um mapa que nos ajuda a navegar nas relações.
O problema não está nos papéis em si, eles são necessários para a vida em sociedade. A questão é quando esses papéis se tornam uma camisa de força. Quando o “bom moço” não pode sentir raiva, a “guerreira” não pode chorar e o “líder” não pode demonstrar dúvida. É aí que o emocional começa a pagar a conta. A angústia, a ansiedade ou aquela sensação de vazio muitas vezes vêm desse conflito, entre quem sentimos que somos e quem esperam que a gente seja.
Aceitar um papel que não nos cabe pode ser uma estratégia de sobrevivência. Fazemos isso para sermos amados, para pertencermos a um grupo ou para evitar conflitos. Uma criança pode assumir o papel de “pacificadora” em uma casa cheia de brigas, aprendendo a engolir o choro para manter a harmonia. Na vida adulta, essa mesma pessoa pode ter dificuldade em dizer “não” no trabalho, com medo de desagradar e perder seu lugar.
O custo de manter esses personagens por muito tempo é alto. A energia gasta para reprimir sentimentos genuínos pode se transformar em sintomas físicos, como dores de cabeça crônicas, ou emocionais, como a depressão. É como se uma parte de nós ficasse congelada, esperando a hora de poder se expressar. E, acredite, essa parte sempre encontra um jeito de aparecer, seja em um sonho estranho, em um ato falho ou em uma explosão de raiva que parece desproporcional.
Como nos reposicionar?
Se você se identificou com algo disso, a boa notícia é que nenhum papel é uma sentença definitiva. É possível reescrever o roteiro. O primeiro passo é a auto-observação, sem julgamento. Comece a notar:
- Em que situações você se sente mais desconfortável?
- Que emoções você costuma reprimir?
- O que as pessoas esperam de você e o quanto isso corresponde ao que você deseja?
Vamos a um exemplo prático, digamos que você sempre foi o “resolvedor de problemas” da sua família. Todos te procuram quando algo dá errado, e você, mesmo cansado, assume a responsabilidade. Comece a experimentar pequenas mudanças, da próxima vez que te pedirem ajuda, em vez de dar a solução pronta, você pode dizer: “Eu confio que você vai encontrar uma saída. Como posso te apoiar enquanto você pensa nisso?”.
Essa mudança de postura não significa abandonar quem você ama, mas sim devolver a cada um a sua própria responsabilidade. No início, pode gerar estranhamento ou até resistência, afinal, você está mudando as regras do jogo. Mas, aos poucos, você abre espaço para que novas dinâmicas, mais saudáveis e autênticas, possam surgir.
Não se trata de uma revolução barulhenta, mas de um movimento interno, silencioso e corajoso. É sobre aprender a escutar a própria voz em meio a tantas outras que nos dizem quem devemos ser. É um convite para se apresentar ao mundo de forma mais inteira, com suas forças e também com suas vulnerabilidades.
Esse caminho nem sempre é fácil de trilhar sozinho. Um espaço de escuta, como a terapia, pode ser fundamental para iluminar esses padrões e dar o suporte necessário para a mudança. Reconhecer os papéis que nos impomos e que aceitamos é o primeiro passo para uma vida com mais sentido e liberdade.
Paz e luz.